Do delivery direto do campo à fazenda urbana: startups estão transformando o prato do dia a dia

Ter arroz, feijão, batata, alface e um ovo frito na mesa parece trivial — mas o caminho do campo até o prato vai dos agricultores a distribuidores rurais, a distribuidores urbanos, a supermercados e finalmente ao consumidor.

A falta de controle e tecnologia para acompanhar todos esses intermediários gera tristes estatísticas: a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) reporta que um terço dos alimentos produzidos mundialmente são desperdiçados, seja por falta de infraestrutura e transporte, por tamanhos e formatos considerados inadequados ou pelo desperdício na comida pelas próprias famílias. Durante a pandemia do novo coronavírus, a fome cresceu no Brasil: 68% dos moradores de favelas não têm dinheiro para comida.

Startups nacionais já estão se movimentando para transformar a forma como produzimos, transportamos e consumimos alimentos básicos. O InfoMoney conversou com os fundadores das startups especializada em agricultura (agtechs) e comida (foodtechsRaízsLiv Up e Pink Farms para entender como a tecnologia pode ajudar a colocar comida saborosa e saudável na mesa.

SP Ventures, fundo de investimentos especializado em startups de agricultura e comida na América Latina, também fala sobre o potencial desses setores. O mercado é grande: o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio teve expansão recorde de 24,31% em 2020. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária e o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, o agronegócio hoje representa 26,6% do PIB brasileiro. A estimativa considera não apenas a produção em si, mas insumos, indústria e serviços relacionados ao agronegócio.

Do campo para a mesa

Pedir alimentos saudáveis pela internet parece um movimento surgido com a pandemia, assim como a preocupação com o ESG – sigla que reúne meio ambiente, sustentabilidade e governança empresarial. Porém, as startups Raízs e Liv Up levantam tais bandeiras há anos.

O consultor e engenheiro Tomás Abrahão criou o mínimo produto viável da Raízs em 2014.  Abrahão se acostumou a consumir produtos orgânicos desde a infância e buscava criar uma startup que mudasse a situação atual da cadeia de fornecimento de alimentos saudáveis: “o agricultor ganha pouco e o consumidor paga caro”. O negócio começou a operar em abril de 2016, com um aplicativo que liga produtores a consumidores finais.

Segundo a Euromonitor International, as vendas de alimentos saudáveis bateram a marca de R$ 100 bilhões no país em 2020. Foi a maior cifra para a categoria desde que o monitoramento da empresa de pesquisas começou, em 2006. “A pandemia nos levou a olhar para a saúde – e a alimentação é o primeiro passo para a prevenção de doenças. Como ficamos mais em casa, paramos também para pensar mais sobre o que colocamos na nossa mesa”, afirma Abrahão.

A digitalização também foi intensificada. Segundo a 42ª edição do estudo Webshoppers, os pedidos online na categoria de Alimentos cresceram 15% na comparação entre o segundo trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2020, a primeira onda da pandemia.

“Alimentação saudável e compras pela internet são hábitos. Não há como regredir na consciência de poupar o tempo gasto no supermercado, de pagar mais barato, de o alimento vir do pequeno produto e de chegar mais fresco, pela falta de intermediários”, diz Abrahão. “Já vimos na China e nos Estados Unidos que as curvas de adoção das compras digitais não voltam aos patamares pré-pandemia.”

A Raízs movimenta 12 toneladas por dia de alimentos orgânicos, a partir de uma rede com 800 produtores de frutas, legumes e verduras. Seu aplicativo também conta com parceiros para castanhas e laticínios. Ao todo, são 1.200 fornecedores de 3 mil produtos.

foodtech usa um algoritmo próprio, baseado no histórico de compras, para planejar esforços dos produtores com seis a 18 meses de antecedência. A Raízs faz a rastreabilidade de todos os itens comercializados e disponibiliza tais informações aos consumidores pelo aplicativo do pedido, e futuramente na própria caixa de entrega. São 14 critérios de seleção, como os alimentos não podem conter agrotóxicos, corantes, conservantes, sulfato ou ingredientes transgênicos. A Raízs tem a certificação do Sistema B, dada a empresas que adotam práticas sustentáveis.

A startup tem mais de 30 mil clientes ativos, que fazem seus pedidos pelo aplicativo da Raízs.  O empreendimento afirma pagar 20% acima do mercado ao produtor e vender por 25% menos ao consumidor. Essas taxas mais atrativas são obtidas pela eliminação de comissões pagas a intermediários tradicionais e pelos ganhos de eficiência associados à tecnologia. “Acompanhamos KPIs financeiros e também socioambientais, como emissão de dióxido de carbono e acréscimo de renda ao produtor”, diz Abrahão.

A Raízs atende Grande São Paulo, Campinas e litoral norte do estado. A foodtech pretende expandir para Curitiba e Rio de Janeiro no segundo semestre de 2021. Também deve dobrar seu portfólio de produtos, chegando a 6 mil itens comercializados.

A ampliação virá de marcas que compartilhem dos valores da Raízs e de produtores não apenas de frutas, legumes e verduras, mas também de geleias e pães. A Raízs tem triplicado de tamanho nos últimos anos e espera manter a proporção neste ano.

Já a Liv Up nasceu em 2016, mesmo ano em que a Raízs começou a operar. Victor Santos e Henrique Castellani enxergavam a oportunidade de usar a tecnologia para conscientizar a grande população brasileira sobre alimentação saudável. Santos trabalhava no mercado financeiro, enquanto Castellani analisava projetos de infraestrutura.

“Tínhamos a ideia de conectar as pessoas com comida boa e verdadeira. Sabíamos que as pessoas estavam cada vez mais se alimentando melhor que a digitalização transformaria diversos setores, incluindo a alimentação”, diz Santos. “Antes da pandemia, eu conversava com a indústria tradicional e ouvia que a digitalização da compra de alimentos nunca iria acontecer. Mas nossa vida já é multicanal: estamos com o celular na mão o tempo todo. Queremos levar essa experiência integrada ao consumidor.”

O aplicativo da Liv Up permite que consumidores peçam aperitivos e refeições com baixo carboidrato, sem glúten ou vegetarianos e veganos. Cerca de 80% das frutas, legumes e verduras são orgânicos, a partir de parcerias com 37 famílias de agricultores. Em 2020, foram 500 toneladas compradas de alimentos orgânicos desses produtores. A Liv Up tem softwares de gestão, eficiência logística e rastreabilidade de cada produto – dados de visibilidade que futuramente devem ser compartilhados com os consumidores finais.

“A cadeia de frutas, legumes e verduras é ineficiente, com muitos intermediários até chegar no consumidor final. Vimos oportunidade de firmar acordo que vão além do transacional, virando um parceiro desses produtores. Oferecemos planejamento de produção, compra coletiva de sementes e microcrédito para estufas e tratores”, diz Santos.

Enquanto a Raízs foca principalmente nos ingredientes, a Liv Up prioriza pratos prontos. São duas categorias: compra planejada para casa (aperitivos, bebidas, laticínios, quitanda e refeições congeladas) e refeições imediatas (preparadas em cozinhas com portas fechadas, as dark kitchens). A frente de geladeiras corporativas foi paralisada diante do trabalho remoto adotado por muitos escritórios que tinham esses equipamentos da Liv Up em seus andares.

A Liv Up produz 500 mil refeições mensalmente, em uma cozinha de 8 mil metros quadrados. Em 2020, a foodtech passou de R$ 100 milhões em faturamento. Para 2021, busca ao menos dobrar esses ganhos.

A Liv Up ampliará o portfólio das compras planejadas, incluindo doces, sucos e mais frutas, legumes e verduras de agricultura familiar. O negócio também tem quatro dark kitchens, para produção de saladas e pizzas para delivery. A Liv Up espera aumentar esse número no segundo semestre, após refinar a operação das cozinhas de portas fechadas. A foodtech atua na região metropolitana de São Paulo e expandirá para Campinas e para o Rio de Janeiro neste ano.

A fazenda nas cidades

Pink Farms tem outra proposta para levar a alimentação saudável para as metrópoles: criar fazendas dentro delas. A empresa começou a operar em 2017 e foi criada pelos sócios Geraldo Maia, Rafael Delalibera e Mateus Delalibera.

“Não mexíamos com agronegócio, éramos todos engenheiros da cidade. Por isso nosso modelo tem muita tecnologia no sistema de cultivo. Desenvolvemos sistemas que promovem um ambiente propício ao crescimento das plantas de maneira automatizada”, diz Mateus. Alguns alimentos disponíveis são alho-poró, coentro, mostarda, rabanete e rúcula.

A Pink Farms planta hortaliças folhosas e pequenos vegetais altamente nutritivos (microgreens) em um galpão de 750 metros quadrados no bairro paulistano da Vila Leopoldina. O espaço fechado impe a entrada de insetos e patógenos. Por não haver pragas no galpão, a foodtech também não precisa usar agrotóxicos.

“Trazemos valores similares aos dos consumidores de orgânicos, como não usar agrotóxico e sustentabilidade. Mas ainda temos que melhorar em relação ao nosso uso de energia elétrica artificial, por exemplo. Estamos desenvolvendo mercado e tecnologia para incluir investimento em energia solar, que se paga em longo prazo”, diz Mateus.

Nessa fazenda urbana, as plantas estão em prateleiras de dez níveis. Em relação a uma plantação horizontal no solo, a Pink Farms afirma que promove produtividade cem vezes maior. “Depende do pé-direito, podemos ser ainda mais produtivos. Além dessa plantação verticalizada, promovemos o encurtamento do ciclo de cultiva por termos iluminação disponível durante todo o período necessário para a planta. Não temos dias chuvosos e nublados. Também podemos colocar nutrientes suficientes para que as plantas não compitam, permitindo o adensamento da produção”, explica o cofundador.

A economia é de 95% em água e de 50% a 60% em fertilizantes, também na comparação com a plantação tradicional. Mateus também diz que a Pink Farms diminui etapas e impactos do transporte, por estar nas próprias cidades. “Processamos os alimentos em uma sala ao lado das plantações e entregaremos diretamente aos supermercados, restaurantes e consumidores.”

A otimização de espaço e o raio de entrega são componentes fundamentais para compensar o custo de ter um galpão na cidade de São Paulo. A Pink Farms produz cerca de 3 toneladas de alimentos mensalmente. Entre supermercados e restaurantes, a foodtech abastece 75 pontos de venda. “Costumamos unir entregas no caso do atendimento ao consumidor final, porque não faz sentido entregar longe para uma pessoa só. Atendemos atualmente o centro expandido da cidade de São Paulo, chegando até bairros como Interlagos [zona sul] e Tatuapé [zona leste]”, diz o cofundador.

A Pink Farms captou R$ 4 milhões com fundos como Grão VC e SP Ventures. Recentemente, realizou uma rodada de equity crowdfunding na plataforma SMU, captando outros R$ 4 milhões com investidores pessoa física.

O valor será usado para aumentar a produção, investir em pesquisa e desenvolvimento e para chegar a um padrão replicável de fazenda urbana.

A abertura de mais galpões levará a uma maior oferta. Só então a foodtech pretende ampliar o número de clientes atendidos. No segundo semestre de 2022, o plano é atender toda a cidade de São Paulo.

Além de plantar mais hortaliças folhosas nos próximos meses, a Pink Farms também estuda a produção de frutas em médio prazo. Morango e tomate estão nos planos “As folhosas são o primeiro passo porque tudo que eu cresço é consumível. As frutas são mais complicadas porque temos as etapas de crescimento, de flores e só então de frutos. Estamos fazendo estudos de viabilidade econômica”, diz Mateus. “O morango, por exemplo, custa caro por ser um fruto frágil e teria de ser vendido a um custo maior pelo menos no começo.”

O futuro dos alimentos básicos com tecnologia – e seus desafios

SP Ventures investe em startups de estágio inicial nos ramos de agricultura (agtechs) e de comida (foodtechs) desde 2007. “Focamos em especialização, tomando decisões e formando conexões qualificadas ao entender oportunidades e dificuldades desses setores. O dinheiro cada vez mais deixa de ser diferencial para bons empreendedores. Eles dão as cartas para os fundos”, diz Francisco Jardim, fundador do SP Ventures.

A SP Ventures começou como parte do Criatec, fundo de capital semente que tem o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como principal investidor. Em 2014, criou seu fundo próprio a partir de uma captação de R$ 105 milhões com entidades públicas e privadas. Foram cinco anos de aportes em 20 startups, como Agronow, Agrosmart, Jetbov e Pink Farms.

No segundo semestre de 2019, a SP Ventures começou a captar seu segundo fundo para fazer aportes em startups não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina. R$ 160 milhões já foram captados com empresas como Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco Mundial, Basf e Syngenta. Seis startups já receberam investimentos desse segundo fundo. A meta é chegar a R$ 300 milhões captados até junho de 2021.

Para Jardim, as agtechs e foodtechs enfrentam o desafio de lidar com um crescimento populacional associado ao enriquecimento de populações em países emergentes. “Quando as pessoas saem da pobreza, começam a comer muita carne e isso traz desafios também para as cadeias de água, grãos e propriedades. Temos de produzir 60% mais comida para atender a demanda da população até 2050”, diz Jardim. “As startups buscam ajudar produtores a darem um salto em produção e sustentabilidade, prevendo desde o clima até o capital de giro necessário para a compra de sementes e fertilizantes. Tudo isso durante um contexto de muito mais risco, diante das mudanças climáticas.”

Jardim afirma que a entrega de alimentos já se tornou digital, seguindo o exemplo de outros setores que aderiram ao comércio eletrônico. “O futuro será das marcas que entendem o ciclo de produção e conversam direto com os consumidores. Elas promovem uma cadeia mais eficiente e uma melhor experiência do usuário”, diz.

Mas o fundador da SP Ventures destaca um grande obstáculo para as startups que levantam a bandeira da comida saudável e sustentável: o preço final. “Algumas atendem um público de classe A para cima. O próximo passo é levar as soluções para as classes B e C”, diz o fundador da SP Ventures.

 

Fonte: Infomoney

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